terça-feira, 31 de maio de 2011

O grito que calou cedo

Por Manoela Siqueira

Ainda nos anos 50, quando chegou de João Pessoa, na Paraíba, Marcus Siqueira já sabia o que queria. Montou alguns espetáculos na capital paraibana e se mudou para o Recife junto com a família. Os pais, Jandovy e Júlia não entendiam direito a veia artística do filho que teimava em não ajudar o pai no armazém da família. Marcus foi o segundo filho do casal que teve cinco.Os outros, Maria Júlia, Germana, Jandovy Júnior e Manoel, não herdaram o talento para interpretar do irmão.Nessa época, Marcus já improvisava pegando objetos e roupas da sua casa para montar cenários e figurinos." Com poucos recursos, a criatividade tinha que imperar', lembra Germana Siqueira que acompanhava o irmão na trajetória artística. " Eu e meus irmãos até nas bilheterias já ficamos", diz.

Formado pela Escola de Belas Artes, da UFPE, Marcus foi contemporâneo de José Wilker e Marco Nanini. Passeou pelo mundo musical quando dirigiu o show da cantora paraibana Kátia de França e de Tânia Alves, mas sempre com a referência teatral que lhe era tão forte. "No show da Tânia, a Elba Ramalho apareceu para dar uma canja", lembra o ator José Ramos.

Marcus revolucionou a cena teatral de Pernambuco nos anos 70. O teatro que estava marginalizado e até esquecido, foi levantado e incentivado pelo paraibano de personalidade intempestiva. " Marcus era muito radical, as pessoas amavam ou odiavam ele", diz Maria Júlia Nogueira, irmã do ator.Marcus fundou em 1968 o Teatro Novo do Recife, em um prédio anexo ao Palácio dos Manguinhos na Avenida Rui Barbosa; o Teatro Novo, em 1974, que funcionava anexo à Livro 7, no Centro do Recife e  o Teatro Hermilo Borba Filho, em Olinda.

Durante a vida, Marcus colecionou amigos e desafetos. Dom Hélder Câmara foi amigo e incentivador do teatro pernambucano. Hermilo Borba Filho viria a ser homenageado posteriormente pelo ator. Helena Pessoa de Queiroz foi uma amiga que contribuiu muito para a sua arte. Através dela, o ator captou recursos para inúmeras montagens teatrais. " Marcus era um excelente produtor, não ficava parado, corria atrás de recursos para produzir as suas peças, era um batalhador", diz Maria Júlia. Teve algumas discussões com o ator José Ramos, quando deixaram de se falar. Depois, reataram a amizade.

Em 1977, Marcus fundou o primeiro curso regular de teatro e formação de ator. As aulas eram ministradas por ele, Luís Maurício Carvalheira e Helena Pedra. O dramaturgo, ator, diretor e professor do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da UFPE, João Denys, lembra que em 1981, teve a oportunidade de dirigir Marcus na peça Por telefone, de Antônio Fagundes. Ele diz que o diretor autoritário dava lugar ao ator-aprendiz, sempre pontual, humilde, obediente e estudioso. Essa era a personalidade de Marcus.

Na montagem Morte e Vida Severina, Marcus chocou a sociedade pseudo-moralista da época ao colocar atores seminus, roendo ossos. "Quem assistiu, nunca vai esquecer essa cena", lembra João Ramos. Outra característica do ator era humanizar o grupo no sentido de não criar estrelas nem renegados. Todos se escalavam para fazer a limpeza do teatro, para trabalhar na bilheteria, para encenar. Não havia preferidos nem protegidos.

As peças que o Teatro Hermilo Borba Filho encenaram, quando Marcus estava à frente foram: Rato não sabe escrever...telefona, O diário de um louco, Morte e vida Severina, A onça Mafalda e o Bode Militão e Pedro  Mico, todos em 1976. No ano seguinte, fizeram sucesso; A incelença, Auto da Compadecida, O voo dos pássaros selvagens, Pluft, o fantasminha e O santo inquérito. Em 1978 foi montado o espetáculo Os fuzis da senhora Carrar, de Bertold Brecht. Em 1979, a peça Um grito parado no ar, de Gianfrancesco Guarnieri foi montada tendo Marcus como ator. Em 1980, último ano do grupo, foram feitas as montagens O amor do não e Murro em ponta de faca.

Marcus Siqueira morreu no dia 11 de maio de 1981, de infecção generalizada (septicemia), aos 41 anos, após extrair um dente.



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